Não é engraçado?
Certo. Eu tinha que ficar calma. “A ansiedade bloqueia o raciocínio. Não posso ficar ansiosa. Não posso ficar ansiosa”, eu ficava repetindo pra mim mesma. Mentalmente, é claro.
Olhei do segurança para as meninas, pela milésima vez, acho.
- Desculpem, mas são ordens. Não há mesmo nada que possamos fazer – ele estava dizendo.
E era tudo minha culpa!
- Mas o senhor não está entendendo! – a Veronica tentava explicar. – É a nossa formatura! Nossa! Como não podemos entrar na nossa festa de formatura?
- Sinto muito, moça. Sem os ingressos, nada feito.
Aquilo era tão injusto! Por que eu tinha que perder os ingressos? POR QUÊ? E por que estavam dando tanta importância para um pedaço miserável de papel? Eu estava realmente muito mal pelas meninas.
- Tudo bem – falei, tomando o controle da situação. Se eu tinha ferrado com a nossa festa, precisava dar um jeito de consertar as coisas. Mesmo que eu não tenha muita habilidade para isso.
O segurança se voltou para mim, como que impaciente pela nossa insistência, esperando pelos novos argumentos que eu usaria. Acontece que eu não conseguia pensar em nada.
A não ser que precisava salvar a noite.
Eu deslizava os olhos do seu terno engomadinho às rugas da sua testa, quase desesperada, mas não surgia idéia alguma. Comecei a fechar a boca, desistindo de tentar qualquer outra coisa, quando senti uma mão grande pousando em meu ombro.
A figura era, no mínimo, bizarra. O cara ao meu lado era bem mais alto que eu, as meninas, ou o segurança. Pálido, usava uma camiseta de cetim azul bebê, de botões (mas não abotoada, por sinal, deixando à vista um punhado de pêlos que lhe cobriam o peitoral), algumas correntes no pescoço e um lenço xadrez na cabeça. Minha nossa. Quem é capaz de fazer uma combinação dessas? Eu podia jurar que ele tinha acabado de abandonar um circo. Tinha totalmente cara de rebelde. Um rebelde de circo.
Mas quando eu pousei a atenção no lenço xadrez, sabia que não confundiria aqueles cachos vermelhos escarlates nem em sonho.
Acredite, tínhamos tido o maior trabalho do universo para convencer a comissão a tocar metal na formatura. Acontece que nós conseguimos. E agora o vocalista da banda Ensandecer estava ali, ao meu lado. Com a mão no meu ombro, além disso.
Com a mão no meu ombro!
Qual era o nome dele, aliás?
- Aí, irmão, elas estão comigo – ele disse.
As meninas arregalaram para mim olhões de botar medo. Eu também devia ter ficado com olhões assim, mas pensei no controle da ansiedade. “Fique calma, domine a situação”. Ana Luísa estava quase dizendo alguma coisa, mas fiz sinal para que elas deixassem por minha conta.
- É isso aí – falei, colocando a minha mão sobre a mão do cantor. Você sabe, para dar mais realidade àquilo tudo.
Tudo bem que logo depois ele tirou a mão de debaixo da minha, o que meio que me ofendeu e provocou no segurança um sorriso maldoso.
- Aham - ele disse, ainda na sua voz impaciente. – Elas estão com você e eu sou o Papai Noel. Não me venham com essa história de...
Mas, nesse momento, o nosso super ídolo de cabelos em chamas fugido de um circo, se virou para mim, pegou a minha cabeça e me beijou.
Ah, sim. Eu sou beijada o tempo todo por estranhos, principalmente por astros de heavy metal.
Quando ele me largou, dois segundos depois, eu estava trêmula, e tive que me agarrar em seus braços para me manter de pé. Eu o olhei horrorizada, mas ele continuava me encarando com a mesma expressão tranqüila.
- Ainda bem que vocês vieram, Deby – ele disse, em alto e bom som.
E então eu percebi que tinha que continuar jogando aquele jogo, ou não entraríamos.
- Ah, Nixon... – improvisei no nome, fazendo parecer um apelido carinhoso, como ele tinha feito comigo. - Eu disse que viríamos, não disse? Não íamos te perder por nada!
Ele se inclinou para dar um beijo na bochecha de cada uma das meninas e eu vi a expressão do segurança se transformar. Ele tinha caído.
- Tudo bem, podem passar.
Foi aí que nós entramos, com uma celebridade passando o braço pelos meus ombros.
Olhei do segurança para as meninas, pela milésima vez, acho.
- Desculpem, mas são ordens. Não há mesmo nada que possamos fazer – ele estava dizendo.
E era tudo minha culpa!
- Mas o senhor não está entendendo! – a Veronica tentava explicar. – É a nossa formatura! Nossa! Como não podemos entrar na nossa festa de formatura?
- Sinto muito, moça. Sem os ingressos, nada feito.
Aquilo era tão injusto! Por que eu tinha que perder os ingressos? POR QUÊ? E por que estavam dando tanta importância para um pedaço miserável de papel? Eu estava realmente muito mal pelas meninas.
- Tudo bem – falei, tomando o controle da situação. Se eu tinha ferrado com a nossa festa, precisava dar um jeito de consertar as coisas. Mesmo que eu não tenha muita habilidade para isso.
O segurança se voltou para mim, como que impaciente pela nossa insistência, esperando pelos novos argumentos que eu usaria. Acontece que eu não conseguia pensar em nada.
A não ser que precisava salvar a noite.
Eu deslizava os olhos do seu terno engomadinho às rugas da sua testa, quase desesperada, mas não surgia idéia alguma. Comecei a fechar a boca, desistindo de tentar qualquer outra coisa, quando senti uma mão grande pousando em meu ombro.
A figura era, no mínimo, bizarra. O cara ao meu lado era bem mais alto que eu, as meninas, ou o segurança. Pálido, usava uma camiseta de cetim azul bebê, de botões (mas não abotoada, por sinal, deixando à vista um punhado de pêlos que lhe cobriam o peitoral), algumas correntes no pescoço e um lenço xadrez na cabeça. Minha nossa. Quem é capaz de fazer uma combinação dessas? Eu podia jurar que ele tinha acabado de abandonar um circo. Tinha totalmente cara de rebelde. Um rebelde de circo.
Mas quando eu pousei a atenção no lenço xadrez, sabia que não confundiria aqueles cachos vermelhos escarlates nem em sonho.
Acredite, tínhamos tido o maior trabalho do universo para convencer a comissão a tocar metal na formatura. Acontece que nós conseguimos. E agora o vocalista da banda Ensandecer estava ali, ao meu lado. Com a mão no meu ombro, além disso.
Com a mão no meu ombro!
Qual era o nome dele, aliás?
- Aí, irmão, elas estão comigo – ele disse.
As meninas arregalaram para mim olhões de botar medo. Eu também devia ter ficado com olhões assim, mas pensei no controle da ansiedade. “Fique calma, domine a situação”. Ana Luísa estava quase dizendo alguma coisa, mas fiz sinal para que elas deixassem por minha conta.
- É isso aí – falei, colocando a minha mão sobre a mão do cantor. Você sabe, para dar mais realidade àquilo tudo.
Tudo bem que logo depois ele tirou a mão de debaixo da minha, o que meio que me ofendeu e provocou no segurança um sorriso maldoso.
- Aham - ele disse, ainda na sua voz impaciente. – Elas estão com você e eu sou o Papai Noel. Não me venham com essa história de...
Mas, nesse momento, o nosso super ídolo de cabelos em chamas fugido de um circo, se virou para mim, pegou a minha cabeça e me beijou.
Ah, sim. Eu sou beijada o tempo todo por estranhos, principalmente por astros de heavy metal.
Quando ele me largou, dois segundos depois, eu estava trêmula, e tive que me agarrar em seus braços para me manter de pé. Eu o olhei horrorizada, mas ele continuava me encarando com a mesma expressão tranqüila.
- Ainda bem que vocês vieram, Deby – ele disse, em alto e bom som.
E então eu percebi que tinha que continuar jogando aquele jogo, ou não entraríamos.
- Ah, Nixon... – improvisei no nome, fazendo parecer um apelido carinhoso, como ele tinha feito comigo. - Eu disse que viríamos, não disse? Não íamos te perder por nada!
Ele se inclinou para dar um beijo na bochecha de cada uma das meninas e eu vi a expressão do segurança se transformar. Ele tinha caído.
- Tudo bem, podem passar.
Foi aí que nós entramos, com uma celebridade passando o braço pelos meus ombros.
**
A entrada levava para um corredor mergulhado na penumbra. A iluminação tênue era azul e as paredes dos dois lados eram de espelhos. No fim, havia uma porta negra, que deduzi levar ao salão.
- Minha nossa, Náder! Aquilo foi demais mesmo! – Ana Maria agradecia, também abraçando o cara.
Era isso! Náder Fernandez.
- É, obrigada – eu disse por último, baixando os olhos ao me lembrar de como ele tinha me beijado para nos ajudar.
- Posso te pedir um autógrafo agora? – Fernanda perguntou, pulando de excitação.
O Senhor Fugi De Um Circo balançou a cabeça, ainda rindo de nós.
- Por que você quer que eu te dê um autógrafo, gata?
- Fala sério! Por que você é simplesmente Náder Fernandez! Não é um bom motivo?
- Mas, Jesus! Eu não sou Náder Fernandez.
- Não? – Ana Luísa praticamente gritou, incrédula.
- Não. Prazer em conhecê-las – ele disse enquanto se afastava em direção ao fim do corredor. – Eu sou Nixon.
E depois, piscou para nós.
**
- Eu não acredito que o bonitinho do terceiro tá com a Belinda! – Fernanda sussurrou olhando para a mesa ao lado, antes de recomeçar a sugar o seu canudinho, fazendo um barulho irritante.
- Nanda, dá pra parar de repetir isso? Faça o favor de aproveitar a festa, sim? Nós quase perdemos isso tudo!
- Poxa, meninas, eu realmente preferia a idéia de casais... Não é romântica a idéia de vir com um par? – Ana Maria resmungou, apoiando o queixo na mão, sobre a mesa. – O cara vem e te convida, você quase tem um ataque do coração e se derrete. Ele te busca em casa pra irem jantar, amarra uma flor no seu pulso...
- Não é nada romântica, Ana. É de dar náuseas... Ah, por favor! Vir com um par?
- Por que não? Eu viria com o Renato com toda a certeza – eu comentei.
- E o bonitinho do terceiro teria me convidado...
- Ai, eu acho que vou vomitar. De verdade, ainda bem que acabaram com essa de par, gente. Os meninos não têm mais coragem de fazer isso, hoje em dia. É brega. E, além disso, eles estão todos aqui, não estão? Os garotos? Podem ir falar com eles agora...
Veronica veio caminhando em nossa direção, gritando indignada:
- Ei! Querem fazer o favor de vir dançar? Vocês não vão ficar sentadas a festa toda, vão?
Já estávamos nos levantando quando ela parou subitamente, com os olhos verdes vidrados no palco às nossas costas.
- Minha nossa, não olhem agora, mas... Eu disse pra não olharem!
E talvez eu devesse ter ouvido ela, porque a imagem que acabava de aparecer ali era absolutamente apavorante. Em meio à banda que se organizava no palco, Náder surgiu. Estava com o rosto branco, manchas rosadas nas bochechas, círculos amarelos ao redor dos olhos e um nariz de palhaço. E só Deus sabe como eu odeio palhaços.
Palhaços me aterrorizam desde... bem, desde sempre. Eu sempre soube que nunca gostaria deles, porque mesmo que estivessem sorrindo debilmente para mim, dizendo que eu era uma criança muito bonita, fazendo brincadeiras, eu sempre vi que aquela maquiagem era simplesmente uma máscara para toda a perversidade, para toda a crueldade que existe dentro desses seres que chamam de palhaços.
- Ah, não!
- Tá tudo bem, Isis. Ele só está fantasiado... Você mesma não falou da roupa de circo e...
- Eu não quero nem saber! – gritei, dando as costas para o palco e tampando os ouvidos.
Ana Luísa me agarrou pelos braços.
- Ei, fica calma. Olha só, eles vão começar o show e você vai ver que não vai acontecer nada demais. Olha lá.
Eu me virei, o som foi ligado e uma voz diabólica encheu o ar.
- Senhoras e Senhores, não apenas desejo uma boa noite a todos nós, mas uma noite realmente fantástica – Náder disse ao microfone. – Uma noite memorável. - Arrepiada, senti o seu olhar pousar em mim. A garota que ele tinha beijado.
- Ah, me digam que isso não é verdade... Eu beijei um palhaço!
- Sério. Não precisa exagerar, Isis, ele só estava tentando nos ajudar - Verônica ia dizendo, com os olhos fixos no palco, como todos no salão. Mas eu não me deixaria ser seduzida tão facilmente.
Porque é isso que o palhaço lá na frente estava fazendo, seduzindo a todos. Eu evitava olhar para onde os holofotes apontavam e balançava a cabeça, começando a entender o que estava acontecendo ali.
- A nossa primeira música é um lançamento... – ele recomeçou a falar.
- É, foi por isso que ele me beijou! – eu gritei para as meninas.
- ...chama-se “O jogral que vigia”...
- Ele queria fazer a gente entrar aqui!
- ...esperamos que gostem.
- Ele quer que estejamos aqui dentro!
- Isis, do que é que você está falando? – Fernanda finalmente se virou para mim, me
olhando como se eu fosse louca. Pelo menos elas estavam me ouvindo.
As cordas da guitarra vibraram e todos os componentes da banda começaram a rir, sussurrando. O pesadelo estava começando! Será que ninguém mais percebia o que estava acontecendo?
Em meio aos flashes de luzes direcionados ao palco, a face de Náder me encarava, branca, com um nariz vermelho, e o seu cabelo era mais vermelho do que normalmente. Parecia estar literalmente envolvido por chamas. Havia fogo à sua volta. Ele sorria para mim, estava envolvendo a todos com aquele seu sussurro, o sussurro dos palhaços.
- Estranho – ouvi Ana Maria dizer, - eles não vão cantar nada?
Nesse exato instante, os sussurros de risadas pararam e só o som da guitarra continuou vibrando, sinistro.
Minhas mãos suavam frio, meu coração estava entalado na garganta, o salão começava a girar à minha volta. Um pavor completo estava se apoderando de mim.
De repente, eram só faces brancas lá em cima. Todos da banda eram palhaços e começaram a gargalhar. Havia fogo, eu sabia.
Agarrei os braços de Veronica e Ana Luisa, me preparando para sair correndo dali. O que estava acontecendo com aquela comemoração de “Faculdade me aguarde”?
Um cântico macabro se uniu às gargalhadas, e mulheres, também palhaços, com saias de tule preto, surgiram. Em todos os lugares, se você quer saber. Surgiram no palco, surgiram no meio da multidão. Todas vindas de lugar nenhum.
Era demais. Não só eu agora, mas todas as outras pessoas do salão pareceram perceber que algo estranho estava acontecendo ali. Algo diabólico até. Os alunos começaram a gritar, eu e as meninas corremos na direção contrária ao palco. Os palhaços gargalhavam mais alto, a formatura era uma festa de horror.
Corríamos e nos empurrávamos em direção ao corredor azul, por onde todo mundo parecia querer fugir. De relance, eu via fogo surgindo entre as mesas, os vestidos e os smokings. Lágrimas brotavam dos meus olhos e eu sabia que a nossa única saída era alcançar o corredor.
Senti a mão de Veronica que agarrava o meu braço, me soltar. A quase dois metros da luz azul, me virei para as meninas que não estavam mais próximas de mim.
- Isis! Socorro! – eu ouvia as suas vozes, distantes.
A minha vista já era turva, por causa do desespero com que eu chorava. Precisava ajudá-las, mas não sabia onde estavam. Nunca senti tanto medo dentro de mim. Os palhaços... eu sabia sobre eles. Eu sempre soube sobre os palhaços.
Eles riam e agora estavam pondo fogo em tudo, e o pior é que eu sempre soube.
- Eu não acredito que o bonitinho do terceiro tá com a Belinda! – Fernanda sussurrou olhando para a mesa ao lado, antes de recomeçar a sugar o seu canudinho, fazendo um barulho irritante.
- Nanda, dá pra parar de repetir isso? Faça o favor de aproveitar a festa, sim? Nós quase perdemos isso tudo!
- Poxa, meninas, eu realmente preferia a idéia de casais... Não é romântica a idéia de vir com um par? – Ana Maria resmungou, apoiando o queixo na mão, sobre a mesa. – O cara vem e te convida, você quase tem um ataque do coração e se derrete. Ele te busca em casa pra irem jantar, amarra uma flor no seu pulso...
- Não é nada romântica, Ana. É de dar náuseas... Ah, por favor! Vir com um par?
- Por que não? Eu viria com o Renato com toda a certeza – eu comentei.
- E o bonitinho do terceiro teria me convidado...
- Ai, eu acho que vou vomitar. De verdade, ainda bem que acabaram com essa de par, gente. Os meninos não têm mais coragem de fazer isso, hoje em dia. É brega. E, além disso, eles estão todos aqui, não estão? Os garotos? Podem ir falar com eles agora...
Veronica veio caminhando em nossa direção, gritando indignada:
- Ei! Querem fazer o favor de vir dançar? Vocês não vão ficar sentadas a festa toda, vão?
Já estávamos nos levantando quando ela parou subitamente, com os olhos verdes vidrados no palco às nossas costas.
- Minha nossa, não olhem agora, mas... Eu disse pra não olharem!
E talvez eu devesse ter ouvido ela, porque a imagem que acabava de aparecer ali era absolutamente apavorante. Em meio à banda que se organizava no palco, Náder surgiu. Estava com o rosto branco, manchas rosadas nas bochechas, círculos amarelos ao redor dos olhos e um nariz de palhaço. E só Deus sabe como eu odeio palhaços.
Palhaços me aterrorizam desde... bem, desde sempre. Eu sempre soube que nunca gostaria deles, porque mesmo que estivessem sorrindo debilmente para mim, dizendo que eu era uma criança muito bonita, fazendo brincadeiras, eu sempre vi que aquela maquiagem era simplesmente uma máscara para toda a perversidade, para toda a crueldade que existe dentro desses seres que chamam de palhaços.
- Ah, não!
- Tá tudo bem, Isis. Ele só está fantasiado... Você mesma não falou da roupa de circo e...
- Eu não quero nem saber! – gritei, dando as costas para o palco e tampando os ouvidos.
Ana Luísa me agarrou pelos braços.
- Ei, fica calma. Olha só, eles vão começar o show e você vai ver que não vai acontecer nada demais. Olha lá.
Eu me virei, o som foi ligado e uma voz diabólica encheu o ar.
- Senhoras e Senhores, não apenas desejo uma boa noite a todos nós, mas uma noite realmente fantástica – Náder disse ao microfone. – Uma noite memorável. - Arrepiada, senti o seu olhar pousar em mim. A garota que ele tinha beijado.
- Ah, me digam que isso não é verdade... Eu beijei um palhaço!
- Sério. Não precisa exagerar, Isis, ele só estava tentando nos ajudar - Verônica ia dizendo, com os olhos fixos no palco, como todos no salão. Mas eu não me deixaria ser seduzida tão facilmente.
Porque é isso que o palhaço lá na frente estava fazendo, seduzindo a todos. Eu evitava olhar para onde os holofotes apontavam e balançava a cabeça, começando a entender o que estava acontecendo ali.
- A nossa primeira música é um lançamento... – ele recomeçou a falar.
- É, foi por isso que ele me beijou! – eu gritei para as meninas.
- ...chama-se “O jogral que vigia”...
- Ele queria fazer a gente entrar aqui!
- ...esperamos que gostem.
- Ele quer que estejamos aqui dentro!
- Isis, do que é que você está falando? – Fernanda finalmente se virou para mim, me
olhando como se eu fosse louca. Pelo menos elas estavam me ouvindo.
As cordas da guitarra vibraram e todos os componentes da banda começaram a rir, sussurrando. O pesadelo estava começando! Será que ninguém mais percebia o que estava acontecendo?
Em meio aos flashes de luzes direcionados ao palco, a face de Náder me encarava, branca, com um nariz vermelho, e o seu cabelo era mais vermelho do que normalmente. Parecia estar literalmente envolvido por chamas. Havia fogo à sua volta. Ele sorria para mim, estava envolvendo a todos com aquele seu sussurro, o sussurro dos palhaços.
- Estranho – ouvi Ana Maria dizer, - eles não vão cantar nada?
Nesse exato instante, os sussurros de risadas pararam e só o som da guitarra continuou vibrando, sinistro.
Minhas mãos suavam frio, meu coração estava entalado na garganta, o salão começava a girar à minha volta. Um pavor completo estava se apoderando de mim.
De repente, eram só faces brancas lá em cima. Todos da banda eram palhaços e começaram a gargalhar. Havia fogo, eu sabia.
Agarrei os braços de Veronica e Ana Luisa, me preparando para sair correndo dali. O que estava acontecendo com aquela comemoração de “Faculdade me aguarde”?
Um cântico macabro se uniu às gargalhadas, e mulheres, também palhaços, com saias de tule preto, surgiram. Em todos os lugares, se você quer saber. Surgiram no palco, surgiram no meio da multidão. Todas vindas de lugar nenhum.
Era demais. Não só eu agora, mas todas as outras pessoas do salão pareceram perceber que algo estranho estava acontecendo ali. Algo diabólico até. Os alunos começaram a gritar, eu e as meninas corremos na direção contrária ao palco. Os palhaços gargalhavam mais alto, a formatura era uma festa de horror.
Corríamos e nos empurrávamos em direção ao corredor azul, por onde todo mundo parecia querer fugir. De relance, eu via fogo surgindo entre as mesas, os vestidos e os smokings. Lágrimas brotavam dos meus olhos e eu sabia que a nossa única saída era alcançar o corredor.
Senti a mão de Veronica que agarrava o meu braço, me soltar. A quase dois metros da luz azul, me virei para as meninas que não estavam mais próximas de mim.
- Isis! Socorro! – eu ouvia as suas vozes, distantes.
A minha vista já era turva, por causa do desespero com que eu chorava. Precisava ajudá-las, mas não sabia onde estavam. Nunca senti tanto medo dentro de mim. Os palhaços... eu sabia sobre eles. Eu sempre soube sobre os palhaços.
Eles riam e agora estavam pondo fogo em tudo, e o pior é que eu sempre soube.
Cheguei ao corredor e o vi vazio. Comecei a correr em direção à saída, tentada a voltar ao salão e procurar pelas meninas, mas dançarinas vinham atrás de mim. Eu precisava ir embora daquele lugar, não podia voltar. Via saias de tule girando pelos espelhos, dançavam à minha volta, murmuravam para mim. As saias, os espelhos, os palhaços. Gritos lá atrás, coisas queimando.
Pouco depois, eu cheguei ao fim, e as dançarinas haviam desaparecido. Eu estava sozinha em meio àquela fraca luz azul.
Dei uma olhada para trás e vi a entrada negra para o salão. Eu tinha conseguido.
Me virei, e um palhaço sorria para mim.
Pouco depois, eu cheguei ao fim, e as dançarinas haviam desaparecido. Eu estava sozinha em meio àquela fraca luz azul.
Dei uma olhada para trás e vi a entrada negra para o salão. Eu tinha conseguido.
Me virei, e um palhaço sorria para mim.
Texto escrito para o concurso Formatura Infernais
e pra colocar algumas coisas pra fora. ;D
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