"But that love you felt, that's just the beginning. You just got a taste of love. That's just
limited little rinky-dink mortal love. Wait till you see how much more deeply you can love
than that. You have the capacity to someday love the whole world. It's your destiny."


segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Há paz no retrocesso, há sim.


Quando tenta tocar na profundeza de toda sua vida, ela nota quão pouco controle tem sobre isso. Não vê nada de profundo. Só o mesmo céu cinza, de novo. E as coisas já ritualizadas, tão cruas e tão rasas que se sucedem constantemente na paisagem. Não deixam espaço para mais nada. Nenhuma ideia original, nenhum pensamento sensível o bastante, nada. Mas ela respira fundo e tenta de novo. Esses dias serão seus.
Alice espera até que seu cérebro se aquiete e pare de tagarelar incansavelmente, espera até que seus movimentos morram num espasmo de paz. Então, ela chama Deus.

Súplica de que por favor esse tempo não seja tomado por vagalumes que piscam aqui e ali, chamando sua atenção de quando em quando e roubando toda sua concentração de equilibrista. Que seus amores, nós e cordas não a sufoquem, não precisem ser solucionados, não desmoronem nem se construam. Que existam em pequenas e leves doses, ainda menores que o calor posterior a goles de vinho. Estes que num espaço de instante arrepiam o corpo e vêm lembrar de qualquer gentileza.
Diga-me. Qual a graça de um vinho que não embriaga a gente?

Alice deixou-se entregue ao torpor da irrealidade e desmaiou-se em seis horas inteiras. É o começo da sua meditação, do desejado vôo, do incompreendido sabor.
Um vento frio sopra na nuca, como um beijo que o mundo vem lhe dar. Como se fosse amada por todos e por ninguém. Como se fundisse no tudo. E vem de novo aquela sensação de auto-consciência: "Como gosto de mim, como me acompanho, não preciso de ninguém."
"Quero os vinhos mais quentes e doces. Que me devolvam a razão insana."

Ela pensa no amante espírito. Em como o esquece, em como o quer em tudo que a envolve, em como ele se dissolve. Se pergunta qual deve ser o ponto exato de sua mente em que ele está plantado e porque ele não a toma inteira com suas raízes.
"Como eu gostaria de conseguir escrever minhas palavras, o que aconteceu e se foi, a colisão dos universos! Que voltasse a ser natural e rápido. Que fosse fluentemente falado. Acabei de despertar de um longo sono, mas acho que um dia foi fácil me inventar. Me ajude, Deus. Me ajude."

Noite passada sonhou com torres de Babel, quartos transponíveis e brancos como hospício. Rapazes perdidos de amor entravam e se machucava, ela escondendo deles o coração. "Não, não me quiseram quando eu pedi, quando precisava de proteção, agora sou minha, sou só minha." Mas não a deixavam, se amontoavam em seu recanto de paz, devoravam o passado diantes de seus olhos. Alice não queria o passado, queria esquecer!
Ela se rendeu com pavor e um pouco de nostalgia. Mergulhou em quem nunca a embalou. Branco, moreno de tanto orgulho, olhos perversos, branco como hospício. Despertou hoje com a música de seu romance, sempre irreal. Roseiras sempre murchas no alpendre.

O que ontem houve de místico não se entende. Alice amou para sempre um cogumelo-homem, um tanto estrangeiro e olhos de mel, colorido de fantasias. A encarou firme, a amando de volta, a entendendo inteira, como só um artista faz. Sua expressão meiga, quase triste, solenemente concentrado para o próximo número, ela o viu. Se amaram e se encenaram, em alguns vários segundos. Como ela o quis tocar! Com a ponta leve dos dedos.
Alice tocou um anjo-peixe com a alma, toda sensibilizada, toda enfeitiçada, se desmanchando em lágrimas de prazer. "Obrigada por ser tão lindo, obrigada!" E ela compreendeu que aquilo tinha que ser a vida, com toda sua luz celestial.
"Durante horas me sentei retesada, paralisada, tocada por arrepios e lindas canções. Não é incrível que um dia todos aqueles corpos contorcidos, bailarinos, estiveram presos em suas mães? Que um dia foram bebês espantados a abrir lentamente os olhos e contemplar o mundo? Pois ontem contemplei o mundo pela primeira vez."
Quando escrevia de florestas e árvores e ninfas é daquilo que falava. É aquilo que entrava na vida sem aviso-prévio, é aquilo que faltava ser visto. E criou-se uma centelha de esperança de que o mundo inteiro pode ser bonito, "basta que dancemos".
O mar será sugado por buracos-negros, caramujos abrigarão crianças, e homens virarão estrelas, sempre acalentados. Quase como numa profecia. E talvez tudo o que importa seja isso. De alguma forma, a leveza é sim sustentável. Como pés deslizando em mágica, e uma rede a te puxar sempre para cima, para cima, para cima.

Havia um certo tipo de promessa ou acordo para que não tomassem sua mente, não é? Seu espetáculo ainda anestesia preocupações, mas as ideias feias brotam sem querer. Trovões a fazem voltar a rezar.
Alice pensa que poderia seguir adiante sem qualquer arrependimento, seguir daqui, esquecer o resto. Foi pretensão pensar que teria saudade?
Deve ter sido o último mal-entendido, o resquício de constrangimento e o medo de ter seus segredos espalhados. Sim, esteve se divertindo com a sedução, não há justiça em ser toda transparente. O segredo guarda o ar da graça. Estava então sendo pretensiosa?
"Sentirei saudades..." O que não significa que irá voltar. Ela quer ir adiante. Afinal, voltar para quê?

"Este céu que parece mar escarlate, o que perdeu-se no buraco-negro, escorrendo inteiro dentro de mim."
Alice pensa com um sorriso em um amigo que lhe falara sobre um tipo de tristeza contemplativa muito semelhante à essa. Quase um estado de graça.
Um dia lhe mandaria um cartão-postal. Talvez da Itália.
"Estou nadando em nuvens. Levitando em pensamentos maravilhosos sobre o mundo, vê?"
E voltou a sentir a falta. Nada leve, nada pesada, nada imprevisível. Sempre aqui. Junto com cada batimento cardíaco. "Olá, eu sabia que voltaria."
Dói em sulcos, fita a ausência. "Você me dói tanto de vez em quando, meu amor! Como é verdade!"
Ela fecha os olhos e imagina. Tristeza contemplativa. Sim, uma ferida que conforta a si mesma, "só me basta olhar".
Junto com o sol veio sua entrega silenciosa. "Como aquela moça que perguntava sem parar: será que alguém sabe o que eu sei?" E seu dia será isso.

Ainda permanece, deitado junto a seu corpo em meio aos lençóis. E sonolentamente, ela se lembra...
O avião pousando, as curvas na serra, o irritante mal-estar. Endereçou suspiros ao mundo exterior e se arrependeu quase imediatamente. "Esses dias serão... serão de quem?"
A solidão é conveniente. Telhados furando o céus, erguendo-se numa realeza tola, tão açucarada que ela sente vontade de rir. "Isto que é pretensão!" As flores, mover-se, qual é exatamente a graça de um buraco cheio d'água?
Alice estabelece magnífica sintonia com esse cenário de papelão, sua poesia inobjetiva, seu chocolate, chocolate, sempre chocolate, sempre doce, sempre Alice, facilmente conquistável, amante de cogumelos-homens introspectivos, pés cansados.
O mundo responde com um frio cortante em seu rosto de porcelana. Só isto, a falta insistente. "Penso que talvez... bem, sim. Pois sim, sua companhia me faria bem. Muito bem, eu suponho."

As madrugadas ficam encarregadas de arrastar mensagens pelo seu corpo. Como se misturam os pensamentos legítimos e os comandos de sonhos! Indissociáveis. Ela se sente suspensa, numa espécie de corda bamba, a se assistir de fora. E se joga, se atira, sonâmbula, a talvez esperar colar-se impecavelmente em cada centímetro de seu ser. Os sonhos sacudindo cada fresta sua.
"Talvez você esteja certo... Talvez eu esteja mesmo em queda. Fugindo do tombo, mas eternamente caindo. É por isso, aliás, que estou fugindo para longe, não é?"
Alice esfrega os olhos. Parte da toca, deixa um capuccino para o coelho. Um gato ri incessantemente em seu pulso. É a vida.
Ela devora um biscoito, cheia de recordações carinhosas, e encolhe. Diminui até caber em mão divina. E então, ela sai para o mundo.
Rodeia-se das situações, cenas e roteiros, tudo em expirações. "Não, não sou louca. Minha realidade é apenas diferente da sua", explica ao gato.
Meia-noite. Caminha, perde os calçados, alimenta-se do ar e adormece sempre viva, numa transitoriedade só. "Me encolhi tanto que agora sou o nada, e o nada cresce em mim."
"Talvez agora eu tome chá", ela pensa, sem saber que notícias correrão em seu corpo essa noite. E o chapeleiro... Ah, o chapeleiro! Tão educado que se desmancha em beleza. Ele limpa chaminés também.
E ela está a chorar, limpando as janelas.

Por que essa necessidade de a provocar? Por que a manter enjaulada em suas mãos fechadas por toda uma existência?
Por que se importar com almas gêmeas, com os que devoram o sucesso, com o que rouba sua paz de espírito? Por que se afundar? Por que não explodir em fogos de artifício? Por quê? "Deus, por quê?"
Respire, menina. Sua morte retrospectiva, sua meditação e seus dias. Sustentar. É para isso que servem os pedestais, para sustentar seus momentos em cores. Finque os pés, está sendo arrastada por montanhas de flores secas, mas o perfume deprimente não espalha. Fique dentro de você, fique dentro de você, só fique.
Sim, reconheço que é tarde e é irreprimível o desejo de queda em cascatas. "Alguém disponível para me amar hoje? Alguém? Alguém? Há toda essa vastidão dura em mim. Por desejo, deixe seus lábios roçarem. Lentamente."

"Olha só, o tempo está descarrilhado de novo."
Alice grita sempre que alguém lhe sai da vida, como um trem grita em cada cruzamento de esperas, onde todos os povos se encontram. Cedo desperta, suor percorrem as entranhas, pernas decotadas a correr, sempre fugir, submergir.
"Sim. Também me inspira ficar debaixo d'água, olhos trancados, ouvindo o vazio a me chamar." E talvez alguns vivos treinando nado, distantes.
"E se eu me esquecer e respirar? Haverá caricatura minha pintada no céu?"
O coração de Alice se expande, meio mais doente, meio quase curado. Alguém lhe envia sorrisos a quilômetros de distância. Ela considera se deve se conter, se represar como espumante. Alice é doce, embriagante, e ela mesma experimenta de seu vapor.
Nada que não seja útil, bonito, gostoso ou divertido. E se ela se perde, gargalha-se.

Daqui do paraíso, dá para ver o caminho sagrado da cicatrização.
Alice entrando num estado de dormência composto por pensamentos congestionados, sempre a mesma música a se repetir em suas mãos. "Estou livre! E estas são as notas da minha liberdade sem pausas."
Ela se deixou cair de joelhos, com tremores a expurgar o que não for de um intenso vermelho vivo. "Quando você ouve a mesma música cinquenta vezes seguidas, ela começa a te corroer por dentro. No mínimo." Mas Alice é do avesso. Inatingível.
Delicadamente afasta mechas de cabelo dos olhos vidrados e deixa suas digitais nesse espelho de névoa. Ela pensa em contorcionistas espectrais, em redes esticadas junto à ninhos de sabiás e em como seria adorável um minuto girando em salsa. "Sem qualquer pretensão, sinto falta do meu balé."
Atravessa turbulências e morde a caneta, para espremer-lhe as palavras. Não sabe mais em que língua é. Treme de frio na escuridão de seu abraço, e não sabe mais em que língua é.
"Suponhamos que eu nunca tenha te deixado me beijar tão docemente. Haveria de me abocanhar mesmo assim?"

"Se você observar de perto, mesmo os elos são massacrantes, e toda a corrente se enrola em mim."
E embora todas as forças sejam inversas, suas levianas conversas, está se purificando. Está saindo lá de baixo. Está saindo lá de dentro. Está se acalmando, enfim, enquanto os fios de cabelo ficam a lhe roçar o busto. "Veja só, estou começando a coexistir dentro de mim."
Ela entende as pessoas. Não vê, mas entende mesmo assim. Na obra de arte de sua percepção, reino de sensibilidade e poço de paciência. Procura sabedoria, desde que entendeu que era sua única necessidade. E se algo lhe motiva a ir em frente não é qualquer espécie de reconhecimento, e sim uma luz, que pisca no alto.

Sabe que se olhar por sobre os ombros, garras metálicas a agarrarão. Por isso se deita num telhado e fala ao céu, num miado sem fim. Mesmo com todos esses vultos a lhe observarem. "Haveria de me abocanhar? Haveria de me tocar o espírito?"
Ela torce, torce profundamente para que um dos vultos lhe faça uma citação bonita. Mas permanece cheia dos buracos, quase íntegra.
Sorri quando pensa em como transita entre a simpatia e o tédio. O tédio induzindo tudo o que há de mais original.
"Já está meio nebuloso agora, mas... Estávamos sem nos falar, e quando te reconheci, te abracei e me pus a gritar 'você fez tanta falta!'"
E pronto, é quase isso. Sentiu falta da sua espontaneidade, coisa que lhe dá matéria.

Agora está completa. Tocou no centro. E decidiu qual vai ser seu nível de dificuldade.
Pra quê voltar, menina? Talvez unicamente porque isso lhe bota um sorriso suspeito nos lábios.





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